Foi só um surto, eles disseram.
Não sei quanto tempo se passou, mas eu estou numa clínica, que parece mais uma prisão.
Há guardas por todos os lados, tenho horário para tudo, e apesar de dizerem que há outras pessoas eu nunca vi ninguém além dos guardas.
Me deram um caderno e disseram que eu posso escrever o que quiser, que vai me fazer bem, disseram que ninguém vai ler, mas aposto que assim que eu terminar de escrever e tomar por livre e espontânea pressão meu remédio noturno, alguém vai conferir linha por linha do que escrevi.
Não tem problema, nem faz diferença, eu não sei de nada, só escrevo para me manter lúcido, já que não tenho com quem conversar, os guardas não respondem e os médicos que aparecem de vez em quando só me perguntam se eu tomei os remédios coletam meu sangue e me deu comprimidos para a semana (?); se eu começo a falar demais sozinho aumentam as minhas medicações e eu começo a perder ainda mais a noção do tempo.
Acho que na primeira vez que comecei falar sozinho para lembrar o que são palavras me deram tanto remédio para dormir que devo ter dormido uma semana.
As vezes ouço sons vindos lá de fora, muito abafados, parece ter luz do sol entrando pelas janelas, mas eu tenho certeza que estamos no subsolo.
Apesar do medo constante, era mais confortável estar no mundo exterior.
Ainda não sei, ou melhor, sei menos ainda o que realmente aconteceu lá fora.
Me lembro de ter andado muito tentando atravessar o país, mas quando eu chegava perto do meu objetivo escolhido, a costa, tudo fica confuso e eu lembro de ter acordado uma vez em um navio com luzes muito fortes em meu rosto, logo depois já estava aqui.
Até a escrita é confusa, já que o tempo é confuso.
O tempo todo sinto como se tivesse algo entalado na garganta, e mesmo que eu beba toda a água que tenho a disposição, a sensação não passa.
Escrever realmente me ajudou, mas vou tomar o remédio logo antes que os guardas venham me pedir, a maneira que eles pedem nunca é confortável.
Espero ainda ter esse caderno amanhã, ou qualquer que seja a outra hora que eu acorde.